13 dezembro 2007

Prólogo: Felídeos StrayCatus



Em dia incerto, como nos habituou a onírica tradição milenar das Epopeias, um descontraído certame reuniu as duas classes mais fraquinhas da Augusta e Sempiterna Imperial Tertúlia In Vino Veritas: o operariado ou Bagos e os burocratas ou Mostos.
Certamente que os temas de conversa foram bastante interessantes na então ainda mortal Estrebaria Pateo da Inquisição (mas isso é assunto que não interessa agora[1]), o que importa reter, por ora, é que todos os presentes estavam estúpida e parvamente em-buídos de um cuidadíssimo bucolismo bárbaro e de hostilidade mesclada de bino, sangue e nervura de double-touch[2]
.
Foi assim que um desses burocratas e um outro Bago souberam que o Coturno Hipócrates, o Médico mantinha junto de si uma espécie da sobejamente conhecida e apreciada raça dos Felídeos StrayCatus e, como brevemente lhe seria impossível continuar com o bicho em sua casa, procurou saber junto de Nós se o queríamos como bonito adorno interactivo na Nossa Casa.
O sucedido faz-me reportar a memória a uns meses antes desta data, quando o mete nojo por querer a Vida e o Mundo fofinhos como o cotão de idealismo cassete que traz no umbigo da sua vasta e frondosa barriga de Barrondo, vinha a comer a cabeça do homem com os “porque os gatos são bué fofinhos” e “isso não se faz”, etc. No fim desta merdice toda, foi-nos penoso reconhecer, passado o quase infindo quarto-de-hora, que as nossas nobres intenções haviam sido frustradas: Porkis havia ganho uma pequena batalha…e lá suspirou de alívio.



Quando Coturno, o Médico nos deu a saber que tinha um gato para nós, rejubilámos; o Porkis ainda não sabia de nada.
A noite de brutal Borracheira lá se passou, a bem ou a mal, como sempre se passam estas coisas: o Tó Barrondo mandou uma patética, ainda que artística, palhaça ao percorrer no sentido descendente das Escadas de Montarroio; bateu com o focinho no chão que por sádica vingança lhe deixou um olho negro.


Já em casa fizemos-lhe bonitas tatuagens pelo seu epidérmico tecido fora, em que conviviam com um apurado tacto e bom-gosto jogos do galo, desenhos vários com frases onde marcavam destacada presença palavras nobilíssimas como piça, cona, etc.
No dia seguinte, quando acordámos obviamente não nos lembrávamos da merda que tínhamos feito, isto é, do compromisso que tínhamos que honrar. Não passou muito tempo até que Coturno, o Médico se apresentasse de corpo presente no Nosso faustíssimo hall com um asqueroso e vil e peçonhento animal portador de mil pragas que comummente toma o dissimulado nome de gato. Penso que foi mais ao menos isto, se a memória não me falha, mas costuma falhar, todos sabem do que falo.

Apesar daquele pouco simpático sentimento de recepção e conscientes das aplicações para nós terapêuticas da dor que aquele bicho iria suportar, invadiu-se-nos quase de imediato uma linda coloração pós-psicadélica respirável tipo epifania hippie: enfiámos o r
espectivo biqueiro de boas-vindas ao animal, de forma entusiástica e kickboxeante à guisa de S. Alex. Todavia, nem todos viram o gato como o Natal-mais-cedo, o Porkis Mãozinhas[4] de bêbado rançoso e arrastável que chateava demasiado o que de melhor há nesta Vida (as mulheres) na noite anterior passou a Homem-Santo do Sri-Lanka; por outro lado, Tó Barrondo, a Guerra-Temporariamente-Com-Um-Olho-Negro, desiludindo tudo e todos, para além de não ter espetado o Biqueiro Iniciático naquela coisa estúpida, deixou perpassar uma fobia e repulsa quase deprimentes por um ser tão fraco e meloso como aquele que sucumbia a cada biqueirada e se contorcia já só com a dissonância grotesca dos nossos risos. Como deve dar para reparar, através destas saudosas e dolentes memórias, a minha desilusão foi como se um mitra me viesse assaltar, pedisse o cartão de crédito e eu, por não saber de facto o código deste, fosse esfaqueado porque o atrasado mental pensava que lhe estivesse a mentir. Foi como me senti quando vi que o Porkis e o Tó Barrondo não queriam pontapear o gato: a esvair-me de vergonha católica por não saber o que toda a gente sabia. Como se pode facilmente constatar, isto é mentira. Importa salientar que nestas crónicas soap-homeric-type o narrador é levado, por vezes, sob Oculta e Soberana Mão, a tornar estes sentimentos tão in extremis; se bem que, por vezes, o nojo ao Porkis por ser tão amigo do Mundo Todo como o outro velho nazareno ou mesmo o Chavéz quando dá petróleo a toda gente, é mais puro que o corrimento menstrual de uma virgem do paraíso muçulmano.
A atitude destes dois, por não ter comungado em uníssono com a nossa, fez-nos repensar a antiquíssima questão “que caralho ando aqui a fazer?”. Depois de findado este existencialismo fraco, que não se confundiu substancialmente com as nossas gordurosas e sapientes paredes da Cozinha, o meu hábil companheiro de Fazer-Muita-Mas-Muita-Merda atou o Judas ou Iscariotes ou um big-map[5]
(que já não me lembro do nome que demos ao animal) com fitas de plástico, das que servem para a construção, etc. de tal maneira que me foi bastante moroso desfitar o animal que fora previamente atado desta forma:

Devo admitir aqui a minha fraqueza justificável pela minha mortal condição; mas tal como a grande frase do grande Charles Bukowski[6] demonstra, isto foi sol de pouca dura e as fraquezas tendo sido arredadas e tombado o paladino baluarte da Razão e do Bom-Senso, comunguei com os meus companheiros do Desprezo e do VanDammismo que muitas vezes peripatetiqueia entre nós, enfiando mais uns quantos biqueiros e rindo-me, qual Bêbado miserável, à custa da sua própria conduta.

Em jeito de conclusão, resta-me apenas dizer que este prólogo atrasado tem a função de isso mesmo: de prólogo que faltava ou, se quiserdes, de sinal adivinhatório àquilo que se foi sucedendo na Nossa Casa, Casa onde barronda e Dubaimente se enfardaram febras de penálti (ou tentou-se) e, de sede tal, quase se comeu o vidro que o vinho veste à sua volta, enquanto o Mundo definhando acabava por morrer lá fora, esquecido até que o Apalpado trazia mais uma box de Pedra D’Urso.

Benedictus Dominus noster que dedit nobis signum




[1] Para breve o ensaio “O Discurso de S. Alex aos Bagos: Da Desenvoltura Deselegante Do Kickboxe Ao Brilhantismo Apoteótico Franciscano”, pelas edições PensãoInVino™.
[2] Bitoque, para os toys não percebentes do inglês, que só é a segunda língua melhor do Mundo.

[3] A Nossa Casa fica num 6º andar.
[4] Nome dado pelo Nosso grande amigo Cabeça . Esta denominação aplica-se quando o Porkis joga qualquer tipo de jogo de azar contra os demais, sejam cartas, dados, etc.

[5] Isto é, uma merda qualquer. Tal como foi anunciado, estará em breve disponível, também pelas edições PensãoInVino™, o glossário do vocabulário do Universo Pensionista com o título A Castidade Segundo S. Porkis: Uma Vida De Bócio Nos Colhões.
[6] Nunca houve humanidade, desde sempre.






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